Filhos de brasileiros nascidos no exterior
Fátima Cristina Ranaldo Caldeira
Dos atos atribuídos ao Registro Civil das Pessoas Naturais, um dos mais complexos pelas suas peculiaridades é o traslado ou transcrição das certidões de nascimento dos nascidos em país estrangeiro, filhos de pai ou mãe brasileira, uma vez que a certidão deles extraída servirá como prova da nacionalidade provisória ou definitiva, conforme o caso.
O Brasil trata inteiramente da nacionalidade no seu texto constitucional. São duas as formas de aquisição: originária ou primária que decorre do nascimento e a secundária, derivada ou adquirida que é a obtida pela pessoa no decorrer de sua vida, por ato de vontade (naturalização).
Quanto à nacionalidade originária, basicamente são adotados por todos os países do mundo dois critérios para definir os seus nacionais: o jus soli e o jus sanguinis. No jus soli a pessoa tem a nacionalidade do país em que nasceu ao passo que no jus sanguinis , a nacionalidade do indivíduo será igual a dos seus ascendentes, independente do território do seu nascimento .
O Brasil adota o critério do jus soli mas também leva em conta o jus sanguinis, chegando Celso de Mello a dizer que de tantas exceções em favor do jus sanguinis adotamos um sistema misto.
A nossa Constituição, em seu artigo 12, I, alíneas “a”, “b” e “c” define quem são os titulares da nacionalidade brasileira originária, chamados de brasileiros natos.
Pela alínea “a”, são brasileiros natos os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que filhos de pais estrangeiros e desde que estes não estejam a serviço do seu país. Trata-se de aplicação do jus soli , uma vez que atribui a nacionalidade brasileira aos nascidos no Brasil ainda que filhos de estrangeiros. A exceção ocorrerá se um dos pais estrangeiro estiver a serviço de seu país, neste caso, o filho terá a nacionalidade dos pais mesmo tendo nascido em território brasileiro.
A segunda hipótese é a da alínea “ b” que define como brasileiros natos os filhos nascidos no estrangeiro, de pai ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço do Brasil. Nesta situação, o critério adotado é o jus sanguinis acrescido do fato de um dos pais estar a serviço do Brasil . Assim, o filho nascido em país estrangeiro, filho de brasileiro ou brasileira que esteja no exterior servindo um órgão público do Brasil será brasileiro nato .
A última hipótese é da alínea “c”, cuja redação foi dada pela Emenda Constitucional nº54 de 20/09/2007 e trata dos nascidos no estrangeiro, filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira, quem não estejam a serviço do Brasil. Nestes casos, aqueles que tiveram o seu registro de nascimento lavrado no Consulado ou Embaixada brasileira são brasileiros natos. Já os que foram registrados em repartição estrangeira, que, no país estrangeiro exerça as mesmas funções que os Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais do Brasil, são brasileiros natos até completarem a maioridade, a partir daí, ela fica suspensa e, para tornar-se definitiva, o interessado deve cumprir duas condições: vir a residir no Brasil e optar pela nacionalidade brasileira a qualquer tempo junto à Justiça Federal, sendo esta forma de aquisição conhecida como potestativa uma vez que depende de ato de vontade para confirmar a sua aquisição. .
Assim , vale dizer que a prova da nacionalidade dos que a adquiriram pelo critério do jus soli é feita pela certidão extraída do assento de nascimento lavrado no Registro Civil competente.
Já quando a aquisição for pelo critério do jus sanguis e a certidão de nascimento tiver de produzir efeito no Brasil, seja ela lavrada em repartição brasileira ou estrangeira, a prova da nacionalidade daqueles cujo um dos pais esteja a serviço do Brasil, dos que os pais não estejam a serviço do Brasil mas foram registrados em repartição brasileira e dos que foram registrados em repartição estrangeira até a maioridade será a certidão extraída do traslado da certidão de nascimento que deve ser feito no 1º Ofício do domicílio do registrado ou no 1º Ofício do Distrito Federal, na falta de domicílio conhecido ou se ainda estiver domiciliado no exterior , e, estes últimos, após a maioridade será o registro da opção de nacionalidade feito no 1º Ofício do seu domicílio.
É certo que do traslado, comumente chamado de transcrição, das certidões dos filhos nascidos no estrangeiro de pai ou mãe brasileira que estejam a serviço do Brasil e dos que o pai ou mãe não esteja a serviço, mas foram registrados em Consulado o Embaixada brasileira no exterior , não deverá constar quaisquer circunstâncias quanto à necessidade de opção, por serem considerados brasileiros natos.
Já quanto aqueles cujos pais não estivessem a serviço do Brasil e foram registrados em repartição estrangeira há necessidade da menção de que : “só valerá como prova de nacionalidade desde que o interessado opte a qualquer tempo pela nacionalidade brasileira” .
É peculiar a situação daqueles registrados em repartição brasileira no exterior na vigência da redação da letra “c”, inciso I, artigo 12 da Constituição Federal vigente da Emenda de Revisão Constitucional nº03 de 07/06/1.994 até a Emenda Constitucional nº54 de 20/09/2007 que previa a necessidade de residência no Brasil e opção pela nacionalidade brasileira independente da repartição em que foram registrados , cujas certidões já foram transcritas e das quais consta que a prova da nacionalidade depende de opção.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal relativo a questão parecida é no sentido da possibilidade da aplicação da nova regra introduzida por pertencer a nacionalidade ao direito constitucional e que, os casos pendentes, exatamente por serem de ordem pública, não se inibem em face à norma anterior. Desta forma, a situação jurídica do sujeito da antiga regra cede ante a diversa disciplina que dá a nova lei fundamental ( RE nº103.419-0- STF).
Do ponto de vista registrário é certo que o artigo 97 da Lei 6.015/73 estabelece a possibilidade de averbações serem feitas à vista de petição acompanhada de certidão ou documento legal e autêntico, com audiência do Ministério Público. No seu artigo 102, parágrafo 5º prevê a averbação da perda da nacionalidade brasileira quando comunicada pelo Ministério da Justiça. No caso, houve a alteração da situação de nacionalidade pendente de opção para nacionalidade definitiva decorrente de dispositivo constitucional. A alteração já se estabeleceu, sendo necessário se coadunar a sua prova a realidade, o que, ao meu ver, pode ser feito mediante autorização do Juiz Corregedor Permanente a pedido do interessado, depois da manifestação do Ministério Público.
Desta forma, todos os registrados em repartição brasileira em qualquer época são brasileiros natos e os registrados em repartição estrangeira , para manterem a condição de brasileiros natos após a maioridade precisam residir no Brasil e optar por ela perante a Justiça Federal do seu domicílio.
Também não há mais de se falar nos prazos do artigo 32, parágrafos 2º, 3º, 4º e 5º, Lei 6.015/73 uma vez que o texto constitucional vigente desde a promulgação da Constituição de 1.988 aboliu o prazo fixado pela Constituição anterior para a opção , não tendo, portanto recepcionado a Lei 6.015/73, neste aspecto.
Do ponto de vista registral, a ausência do traslado da certidão de nascimento do optante não obsta o registro de sua opção pela nacionalidade brasileira . No entanto, se a mesma estiver transcrita na mesma Unidade de Registro Civil , a opção será anotada à sua margem e , se o Oficial tiver conhecimento de que a transcrição foi efetuada em outra Unidade procederá a comunicação para a devida anotação (Lei 6.015/73, artigo 106 e seguintes).
No quadro abaixo, observamos as condições estabelecidas para a obtenção da condição de brasileiro nato aos filhos nascidos no estrangeiro , de brasileiro ou brasileira desde a época do Império, quando foi promulgada a nossa primeira Constituição, lembrando que, com a Emenda Constitucional nº 54 de 20/09/2007, todos os registrados em repartição brasileira, independente da época, são brasileiros natos, independente de qualquer condição.
Promulgação da Constituição | Período de vigência | Condições |
---|---|---|
23/03/1824 | 23/03/1824 a 23/02/1891 | Filho de pai brasileiro ou ilegítimo(fora do casamento) de mãe brasileira e estabelecer domicílio no Império |
24/02/1891 | 24/02/1891 a 15/07/1934 | Filho de pai brasileiro ou ilegítimo de mãe brasileira e estabelecer domicílio na República |
16/04/1934 | 16/07/1934 a 09/11/1937 | Filho de pai ou mãe brasileira e optar pela nacionalidade após maioridade |
10/11/1937 | 10/11/1937 a 17/09/1946 | Filho de pai ou mãe brasileira e optar pela nacionalidade após maioridade |
18/09/1946 | 18/09/1946 a 23/01/1967 | Filho de pai ou mãe brasileira; vier a residir no Brasil ; optar pela nacionalidade dentro de 4 anos após a maioridade |
24/01/1967 | 24/01/1967 a 04/10/1988 | Filho de pai ou mãe brasileira e registrado em repartição brasileira é brasileiro nato e se registrado em repartição estrangeira, vir a residir no Brasil antes da maioridade e optar no prazo de 4 anos após maioridade |
05/10/1988 | 05/10/1988 a 06/06/1994 | Filho de pai ou mãe brasileira e registrado em repartição brasileira é brasileiro nato e se registrado em repartição estrangeira , vir a residir no Brasil antes da maioridade e optar a qualquer tempo pela nacionalidade |
De 05/10/1988 (EC nº03) | 07/06/1994 a 19/09/2007 | Filho de pai ou mãe brasileiro, residir no Brasil e optar a qualquer tempo pela nacionalidade |
De 05/10/1988 (EC 54) | a partir de 20/09/2007 | Filho de pai ou mãe brasileira e registrado em repartição brasileira é brasileiro nato e se registrado em repartição estrangeira, vir a residir no Brasil e optar pela nacionalidade brasileira a qualquer tempo. |
Encerramos lembrando que a Declaração Universal dos Direitos dos Homens proclama no artigo XV que: “todo homem tem direito a uma nacionalidade” e complementa o princípio no parágrafo seguinte: “Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade”.
Fátima Cristina Ranaldo Caldeira é Oficiala do Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas da Sede da Comarca de Americana- Estado de São Paulo.
Observação: O texto original deste artigo foi alterado em virtude da EC nº54/2007.